Os anos 60 foram marcados pelo movimento que ficou conhecido como contracultura
- uma época de agitações marcada pela música, pelas drogas, pelo sexo livre e por movimentos sociais – como a luta dos negros americanos pelos direitos civis, liderados por Martin Luther King, do feminismo ganhando espaço na sociedade para as mulheres e também movimentos ligados à ecologia. Foi uma época de quebra de paradigmas e afronta ao establishment fortemente moralista da época.
Embora muitas dessas pautas fossem associadas naturalmente às pautas de mudança social e cultural da esquerda progressiva, não havia uma percepção política ou ideológica dessas ideias na época em que ganharam as ruas. Na verdade, o movimento da contracultura foi muito mais comportamental, partindo de uma vontade popular por certas mudanças que já estavam em ebulição no caldeirão social e eclodiram quase todas ao mesmo tempo como num efeito dominó.
A contracultura pretendia ser uma correnteza que corria contrária ao curso do rio da sociedade normal, apontando o dedo na cara hipócrita do status quo e do sistema e dizendo aos poderosos da elite que eles não poderiam controlar todos ao mesmo tempo. O tipo de pessoa envolvido nessa contracultura podia ser considerado um libertino, mas muitas de suas pautas podem ser consideradas libertárias, pois envolvem, em grande parte, a liberdade do indivíduo de falar, usar e ser do modo como achar melhor, sem interferências de terceiros. Essa iconoclastia era – e é – cool até hoje. Levantar o dedo do meio para o sistema e ter a ousadia de dizer: “Vão se ferrar”.
Havia uma grande inocência na América do Norte nessa época sobre tudo que envolvia essas mudanças sociais e comportamentais, pois o grande inimigo comunista estava longe, por trás da cortina de ferro. Apesar disso, a caça às bruxas, promovida pelo senador Joseph McCarthy a políticos e personalidades supostamente comunistas, ajudou na verdade a desgastar a opinião pública sobre o tema, instalando um clima de neurose e tensão. Isso cansou a todos rapidamente e, num efeito psicológico reverso, ajudou a contracultura a espalhar ainda mais os ventos da mudança na sociedade. Isso porque o povo, em geral, tende a detestar o estado, ainda mais quando se torna autoritário.
No caldeirão político do Brasil dos 60, a contracultura teve um tom mais de protesto por conta do regime militar, mas isso não foi além de alguns estudantes universitários burgueses aderindo à luta armada por pura dor na consciência por terem nascidos na classe média.
Após algumas gerações, podemos ver o quanto o quadro mudou. Os ideais e pautas da contracultura dos anos 60 e 70 já não são o que eram – uma luta contra o status quo. Houve uma completa inversão do quadro anterior numa guinada de 360 º que não foi percebida pela maioria.
O fato é que a contracultura de ontem tornou-se o establishment de hoje. O sistema assimilou essas pautas e incorporou-as de forma que as ideias ontem vendidas para afrontar o sistema são as mesmas ideias que o sistema hoje tenta impor e são empurradas goela abaixo da sociedade como sendo o “novo normal”.
As pautas comportamentais usadas pela esquerda como instrumentos de mudança social foram cooptadas pela elite mundial, que viram nelas algo de útil - um produto para as massas - e passaram a ser vendidas em todos os setores: nas universidades, na mídia, na política e nas artes em geral. Mas como isso aconteceu? Isso aconteceu porque tais políticas se encaixam perfeitamente nos ideais propostos pelo globalismo neoliberal - que não é outra coisa senão positivismo cientificista misturado a socialismo fabiano.
Em outras palavras, a esquerda tornou-se a nova burguesia que eles tanto odeiam: os donos do capital - ou como Marx gostava de dizer, a classe dominante. Basta ver quem defende seus valores publicamente.
Na grande mídia, os grandes veículos de comunicação – salvo raras exceções – possuem as mesmas pautas e viés narrativo, parecendo que tudo foi escrito por um só redator. As causas do “Bem”, sociais ou ecológicas, são sempre defendidas prontamente pelo beautiful people que povoa as telinhas de TV e realities, quase como uma obrigação moral de se posicionar moralmente contra “crimes de ódio”. No âmbito jurídico, parece claro que a Justiça de hoje reviu até mesmo o conceito de que deveria manter-se cega. Ao que parece, chegaram à conclusão de que ela atua melhor levantando sua venda para ver com um olho – o esquerdo, claro.
Ser “progressista” hoje é ser mainstream, significando ser aceito e que você faz parte de um clube que diz sempre aquilo que é correto – a própria definição do moralismo antes denunciado como a alma da burguesia. A não aceitação dessa cartilha – que inclui pautas como ideologia de gênero, legalização das drogas, legalização do aborto, leniência com criminalidade, políticas raciais afirmativas, entre outros – leva o indivíduo, como disse Theodore Dalrymple, a “colocar-se fora do grupo de homens civilizados” quando passa a ser considerado pária e pertencente a um grupo desprezível chamado “extrema direita”.
Desde Bill Gates, passando por Jeff Bezos, músicos como Roger Waters, atores renomados como DiCaprio e chegando até Anitta, atores globais e até mesmo o punk João Gordo, o que se vê é a adoção do mesmo discurso e visão de mundo progressistas e que tem como arma rotular pessoas que tenha visão de mundo com valores diferentes de “fascista”, “reaça” e “extrema-direita”. Milícias digitais como o Sleeping Giants promovem o policiamento das ideias enquanto lançam campanhas de ódio contra quem consideram “fascistas”. Esses são hoje os defensores do establishment e do status quo da elite mundial.
Podemos ver essa propaganda veiculada sistematicamente pelo chamado Consórcio – o conglomerado de mídia formado em 2020 pelos grandes portais de notícia do país – que uniformizou a notícia de tal modo que não vai importar qual canal você sintonize, pois terá a impressão de que está assistindo ao mesmo canal.
O “Consórcio” endossa também a perseguição e a caça às bruxas por ministros do STF a pessoas, empresas e perfis nas redes sociais considerados subversivos à democracia e pertencentes a uma “extrema direita” golpista.
Essa cruzada vergonhosa para o país já produziu presos políticos – algo inédito desde os tempos militares –, policiamento e censura a conversas em aplicativos, inquéritos produzidos sem base constitucional e perseguição a veículos de imprensa centenários, como no caso da censura aos jornais Gazeta do Povo e Jovem Pan. No mundo paralelo da mídia militante, trata-se, porém, de defesa da democracia e da liberdade - mesmo usando ferramentas antidemocráticas que cerceiam a liberdade.
Parece que chegaram os dias profetizados por Chesterton, o qual disse que viriam dias em que seria preciso desembainhar uma espada para defender o óbvio. Suas máximas nunca foram tão atuais. Como, por exemplo: “Uma coisa morta pode seguir a correnteza, mas somente uma coisa viva pode contrariá-la”.
Assim, a contracultura de hoje, aqueles que nadam contra a correnteza, os diletantes da sociedade de hoje, são exatamente aqueles identificados com o espectro da direita, sejam conservadores ou libertários. São estes, rotulados como extremistas, que apontam para os riscos de uma sociedade que caminha não para mais liberdade e democracia, mas precisamente o contrário.
Como rebeldes combatendo o Império, esses divergentes da cultura pós-moderna combatem aquilo que é ignorado por aqueles que acreditam nos ideais propostos pelo globalismo neoliberal: a absorção do indivíduo pelo coletivismo e a uniformização da opinião num molde padrão.
Como Chesterton em seus dias, esses tais são impertinentes contra a reforma do pensamento e a sinalização de virtude que apenas mascaram o perigo real: um Meta Estado que avança em todas as áreas de modo sufocante. Eles enfurecem a elite falando em coisas como realidade, verdades e tradições, coisas que por si só formam barreiras intransponíveis ao pensamento líquido de hoje, avesso ao senso comum tão defendido por Chesterton.
Por essa razão, por falar coisas desagradáveis e alertar para o risco de que estamos caminhando a passos largos para 1984 e não para uma Disneylândia, esses diletantes são considerados párias e uma raça que deveria ser banida e eliminada com o uso de inseticidas do “bem” - como foi mostrado no episódio “Engenharia Reversa” da 3ª temporada da série Black Mirror onde um grupo de humanos com algum tipo de mutação são chamados de “baratas” e caçados numa campanha de limpeza étnica. A história dá a entender que, na verdade, o grupo era perseguido por motivos políticos ou sanitários obscuros e que a tecnologia era usada para torná-los repugnantes o suficiente para que fossem eliminados sem compaixão.
Vivemos hoje dias em que está em andamento uma limpeza étnica da opinião promovida pela classe dominante contra as “baratas” dos andares inferiores, ou seja, o cidadão comum que não tem ideologia, que se vê obrigado a tomar posição na arena política para defender seu modo de vida comum contra o tsunami da falta de sentido do pós-modernismo.
E isso incomoda muito o status quo: a aparição de uma resistência organizada em torno de pautas que desnudam a agenda globalista em sua união com a burguesia esquerdista de Iphone na mão.
Esses cascas-grossas, teimosos e resolutos, sabem o valor da palavra NÃO. O Não, nesse caso, não é negativo, mas afirmativo, porque afirma um posicionamento claro e finca os pés num terreno sólido enquanto os outros são levados ao sabor da correnteza. Isso é contracultura.
Eles são o oposto dessa geração que não é capaz de afirmar nada como verdade, relativizando todos os relacionamentos humanos ao dizer SIM a tudo que desce do alto e é aceito como verdade. Entretanto, aquele que diz SIM a tudo não está afirmando nada. Quem só é capaz de dizer SIM abriu mão de ter opinião própria, sendo incapaz de escolher entre algo ou nada, pois tudo passa a ter o mesmo valor. Essa é uma encruzilhada psicológica; um paradoxo que aniquila o intelecto imposto àqueles que aceitam essa cartilha da elite burguesa dominante como se fosse uma norma extraída do livro 1984: Liberdade é censura e censura é democracia.
Contudo, os rebeldes dessa nova contracultura estão dispostos a tomar sobre si o fardo desse encargo de levar adiante o estandarte já levantado por Chesterton, entre outros, ainda que sejam a cada dia mais odiados e combatidos. Isso porque eles sabem que sua batalha por liberdade verdadeira não é apenas uma batalha pessoal, mas uma causa para todos, incluindo aqueles que os odeiam hoje.
Ou, parafraseando Chesterton, é preciso prender o coração à coisa certa. A partir do momento em que temos o coração ancorado, temos liberdade para as mãos. Sem âncora alguma para prender-se, a liberdade, que essa nova burguesia tanto procura, já escorreu por entre seus dedos.
A esquerda de IPhone na mão é a nova burguesia mundial
Fonte: https://visaolibertaria.com/article/59caf96f-44f5-4b46-b302-558583228a60