Superação

Famílias pobres brasileiras levariam
9 gerações para alcançar renda média,
diz OCDE.
 
Meu pai, Fernando (falecido em 2019), nasceu em 1954. Ele e minha mãe Helena (falecida em 1986), tiveram três filhos: Fernando (falecido antes dos cino anos), minha irmã Fernanda (43) e eu (40). Além de nós, tenho outros irmãos; Aarão, Isack, Leandro, Simone, Vania, Roseany e Kelly, frutos de outros relacionamentos do meu pai. Entre todos os irmãos, o mais novo hoje tem por volta dos 30 anos.
 
Nem meu pai, nem minha mãe tiveram a oportunidade de entrar em uma universidade. Eles viveram o que milhões de brasileiros pobres viveram: a necessidade de trabalhar desde cedo, muitas vezes deixando os estudos de lado. Entre os dez filhos, apenas eu consegui chegar ao ensino superior. Foram dez anos até concluir o curso, conciliando trabalho e estudo, enfrentando a mesma dificuldade que a maioria dos estudantes trabalhadores conhece bem, o tempo estendido, as pausas forçadas, o peso das contas e a falta de apoio.
 
Se olharmos para a minha família como um todo, meus pais e nós dez filhos, estamos falando de 12 pessoas. E, entre todas essas vidas, apenas 1 chegou à universidade e se formou. Isso significa que foram necessárias duas gerações: a dos meus pais e a dos seus filhos, até que alguém rompesse a barreira do ensino superior. Em termos de tempo, considerando que meu pai nasceu em 1954 e eu concluí a faculdade em 2025, foram 71 anos de história familiar até que um diploma surgisse.
 
Esses números revelam mais que uma conquista pessoal. Eles escancaram como a mobilidade social no Brasil é lenta. Enquanto em famílias ricas a universidade é praticamente garantida, nas famílias pobres ela se torna exceção. A OCDE mostra que uma família pobre no Brasil levaria até nove gerações para alcançar a renda média. O meu caso mostra um recorte dessa estatística: foi preciso atravessar décadas de luta até que um filho conseguisse.
 
Minha história não é só sobre mérito individual, é sobre resistência. Resistir à lógica de exclusão, resistir ao abandono de políticas públicas que deveriam apoiar o estudante trabalhador, resistir à ideia de que a universidade é apenas para poucos. A conquista de um diploma dentro de uma família pobre é coletiva: carrega o peso das renúncias de pais e irmãos, e ao mesmo tempo abre a esperança de novos caminhos para os que virão.
 
Quando digo que, depois de 10 anos, enfim me formei, não é apenas sobre mim. É sobre meu pai, minha mãe, meus irmãos e toda a trajetória de uma família que enfrentou as mesmas barreiras que milhões de outras enfrentam. É um marco, um sinal de que mesmo dentro de um sistema que trava a mobilidade social, ainda é possível abrir frestas para que novas histórias sejam escritas.
 
Meu filho Luiz Phillipe, de 17 anos, está cursando o Ensino Médio Técnico em uma escola federal e deve concluir os estudos em 2026. Diferente de mim, que só consegui acessar a universidade aos 30 anos, ele provavelmente entrará na faculdade aos 19. Isso significa um salto de mais de uma década na trajetória educacional da nossa família. E eu me esforço para que ele não precise dos mesmos 10 anos que eu levei para me formar. Minha torcida e meu trabalho é para que, qualquer que seja a área escolhida, ele consiga concluir sua formação por volta dos 24 anos.
 
Ele fala em medicina, e aí o desafio aumenta: nesse caso, seriam pelo menos 7 anos de graduação, o que o levaria à formatura por volta dos 26. Mesmo assim, é um avanço impressionante. Em apenas uma geração, nossa família passa de um filho que enfrentou uma longa jornada para se graduar ao outro que pode conquistar o diploma ainda na juventude. Esse contraste mostra o peso de cada passo dado por quem veio antes e como as lutas individuais abrem caminhos para que os próximos tenham uma vida diferente.
 
Este texto não é só sobre a minha família, é sobre nós. Sim, também é sobre você que está lendo este texto agora. O que nossos pais fizeram antes, somado ao que fazemos hoje, vai moldar a vida dos que vêm depois da gente, dos nossos filhos e filhas. Segue firme, irmão. A gente vai vencer.