Utopia dos ratos

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O “Universo 25" e a Utopia de um “Mundo Ideal”: experiência mostrou os problemas de aplicar ideais utópicos em uma sociedade

Fonte [1]

Em 1947, analisando o aumento vertiginoso na densidade demográfica dos Estados Unidos, o etólogo John B. Calhoun decidiu dar início a um experimento comportamental com foco em uma análise psicopatológica realizada com ratos para exemplificar como a superpopulação das áreas urbanas poderia contribuir para o fim da humanidade.

(...)

Em 1954, quando Calhoun começou a trabalhar no Laboratório de Psicologia do Instituto Nacional de Saúde Mental, ele decidiu refazer o experimento pela 25ª vez, só que focando em como os roedores se comportariam em um ambiente controlado, livre de predadores, esterilizado, com pouca margem para doenças, e com água, comida e abrigos suficientes. O projeto foi chamado por ele mesmo de “utopia dos ratos”, pois os roedores remontavam um tipo de estrutura social que os homens jamais alcançariam.

Calhoun visava analisar o efeito da densidade populacional sobre os padrões de comportamento dos ratos. Para isso, ele construiu um tanque de 2,7 m², com 1,5 metros de altura e uma temperatura constante de cerca de 20º C. Equipado com 256 abrigos e 16 canaletas, o cientista deu tudo aos roedores em um espaço que abrigaria uma população máxima de 2.200 animais.

Fonte [2]

No ‘Universo 25’, assim chamado por ser a vigésima quinta repetição do processo, os ratos chegaram a uma população de quase 2 mil indivíduos. Uma classe de miseráveis começou a surgir e a grave densidade populacional começou a fazer com que os ratos se atacassem. No dia 560 do experimento, o crescimento populacional cessou e, quarenta dia depois, uma queda na população começou a ser registrada. Logo após disso, os ratos começaram a se matar. A população foi completamente extinta após algumas semanas.

Fonte [3]:

O Experimento

O experimento começou com quatro pares de camundongos saudáveis, que foram soltos para dar início à nova sociedade. Nos primeiros 104 dias, identificado como "fase de estrutura" ou "período de luta", os roedores se ajustaram ao habitat e construíram seus ninhos. Quando a "fase de exploração" começou, em que os animais se encontravam e acasalavam, a cada 55 dias a população passou a dobrar de tamanho.
Um inferno até à morte

(Fonte: NIH/Reprodução)(Fonte: NIH/Reprodução)

Em 315 dias de experimento, a utopia já havia se tornado um pequeno inferno, com uma população de 620 ratos. Calhoun percebeu que os "ratos ômegas", que eram tímidos e faziam parte da base da hierarquia, interromperam o acasalamento quando se viram rejeitados pelas fêmeas. Sem terem mais um papel na sociedade, eles se afastaram dos grupos maiores e passaram a comer, dormir e às vezes brigar com os demais marginalizados.

Os "machos dominantes" adotaram um comportamento muito agressivo, atacando os demais ou os provocando sem motivo aparente. Alguns se tornaram homossexuais, pansexuais ou hipersexuais, chegando a se deslocarem em grupos que atacavam as fêmeas e estupravam qualquer rato, independentemente do sexo. Por vezes, os alfas lançavam episódios de violência que terminavam em canibalização, apesar de haver comida o suficiente.

O Papel social do rato macho

Uma vez que os machos abandonaram seus papeis designados dentro da colônia, as fêmeas tiveram que cuidar de seus ninhos, por isso adquiriram um comportamento agressivo, que acabava sendo transferido em forma de violência contra os próprios filhotes. Algumas chegaram a abandonar as ninhadas, gerando uma taxa de mortalidade de 90%, que Calhoun definiu como “fase de estagnação” devido ao colapso dos papeis sociais e à aglomeração excessiva.
Uma previsão social?

(Fonte: Medicine on Screen/Reprodução)(Fonte: Medicine on Screen/Reprodução)

Em 560 dias de experimento, por fim, os roedores perderam a capacidade de agir como ratos e ficou claro que a mudança seria permanente. Com uma taxa de mortalidade de 100%, Calhoun decretou que a colônia entrava na “fase de morte”, na qual o Universo 25 se encaminharia para a sua extinção.

E o que temos a ver com isso?

A geração jovem de ratos cresceu em meio a um ambiente anormal, sem exemplos de como deveriam se comportar, sem molde de paternidade e maternidade, instrução para acasalamento e marcação de território. Portanto, eles apenas comiam, bebiam e se higienizavam. Nomeados “belos” pelo cientista, esses eram caracterizados por uma apatia social, perda de propósito de vida e reclusão, sendo os responsáveis por ocasionar a “primeira morte” da colônia — o fim do desejo de um futuro. A “segunda morte”, como observou Calhoun, aconteceu com a extinção total do Universo 25.

Publicada na edição de 1962 da Scientific American, a conclusão do cientista foi de que os ratos, assim como os humanos, só prosperam em um senso de identidade e propósito estabelecidos dentro do mundo em geral e que o estresse, ansiedade, tensão e instinto de sobrevivência tornam necessário o engajamento na sociedade.

Ou seja, para Calhoun, quando todo o senso de necessidade é retirado da vida de um indivíduo, a vida deixa de ter propósito, uma vez que ela não é apenas apoiada em aspectos básicos – moradia, água, conforto e comida.

(Fonte: USA Today/Reprodução)(Fonte: USA Today/Reprodução)

Apesar de ter recebido muito apoio da comunidade científica, o estudo de Calhoun também foi questionado e classificado como perigoso. Para o médico e historiador Edmund Ramsden, "os ratos podem sofrer com aglomerações, mas os seres humanos podem lidar com isso. A decadência moral pode surgir não da densidade, mas da interação social excessiva. Nem todos os ratos ficaram furiosos. Aqueles que conseguiram controlar o espaço levaram vidas relativamente normais”, observou o médico.

Em 1972, o conceito do Universo 25 apavorou as pessoas nos Estados Unidos e causou uma histeria em massa quando os índices de densidade populacional nos centros urbanos estouraram — e as taxas de homicídio alcançaram 135% com relação à década anterior. A ideia de um iminente "apocalipse social" em que as pessoas se autodestruiriam despertou a ideia de migração para os campos ou subúrbios, onde havia espaço suficiente e uma vida tranquila e natural.

Apesar de tudo, ao lado de Freud e Skinner, o experimento de Calhoun entrou para os “Quarenta Estudos que Mudaram a Psicologia".

Fonte [2]

Conclusões

Essa experiencia do Universo 25 é ótima - e sinistra também. Num âmbito social, nos mostra que mesmo em um ambiente "perfeito", ou uma "sociedade perfeita" como a experiência propõe, se pode acabar criando o caos e a desordem - e que qualquer tentativa de criar essa sociedade perfeita tende a ser falha, por negar a essência dos seres vivos, que naturalmente caminha para diversos caminhos de falibilidade.

Se olharmos por um lado político, esse experimento bate de frente com a ideia de utopias sociais, muito frequentemente pensadas e postas em prática no século passado, que surge com a promessa de uma mega-instituição governamental que cuida dos cidadãos em praticamente tudo, como se fosse uma babá criando uma criança, mas que, no fim, acaba descambando para o totalitarismo e o autoritarismo ditatorial tal como os vistos em famosas ditaduras em diversos países no decorrer do século XX.

Com humanos isso já acontece, quando vemos um governo cerceando os cidadãos tornando-os reféns e dependentes, tentando criar o máximo de condições para os sujeitos de uma sociedade com essa finalidade. Uma hora ou outra alguns individuos começam a subverter a ordem, tomar a comida e os pertences uns dos outros, matar, escravizar, ou chegar a atitudes ainda mais temerosas como a do canibalismo. Assim como a experiência do Universo 25 demonstrou que alguns ratos chegaram a isso, as ditaduras comunistas* de Mao Tse Tung na China e de Stalin na Rússia.

Sem dúvidas, um dos experimentos mais interessantes, polêmicos e controversos que já fizeram. Mostra que esse caos e essa deterioração social acontece mesmo em sociedades ideais, onde os benefícios são garantidos e os desejos supridos e atendidos. O que nos leva a refletir se a solução para a maldade é a mudança externa e social, ao redor dos indivíduos, ou se isso apenas nos traria mais problemas ou ao menos problemas diferentes dos costumeiros. É algo ainda a ser refletido atualmente, pois é o tipo de questão que, vira e mexe, volta ao pensamento cotidiano das pessoas e que por isso, merece ser pensado, refletido e debatido.

Fonte [1]

 

Fonte [1]: https://medium.com/@claudioroberto_73699/o-universo-25-e-a-utopia-de-um-mundo-ideal-68cf16652425
Fonte [2]: https://www.megacurioso.com.br/ciencia/115982-utopia-dos-ratos-experimento-previu-a-extincao-da-humanidade-.htm
Fonte [3]: https://www.hypeness.com.br/2021/10/universo-25-a-experiencia-mais-assustadora-da-historia-da-ciencia/

 

"Qualquer semelhança com os seres humanos é mera realidade." ~Borille, D.