Nada pior que o sentimento de injustiça. Acordar cedo, trabalhar o mês inteiro, abrir mão do nosso tempo para as pessoas que amamos… Mas nem sempre o fruto do nosso trabalho, retratado nos números impressos no holerite, reflete o que pensamos ser justo e compatível com nossos esforços.
A desmotivação fica ainda maior quando comparamos nossa remuneração com a de alguém, como um chefe ou um colega de trabalho. Estranha e ilogicamente, parece que ficaríamos satisfeitos bastando que estas pessoas ganhassem menos – o que em nada contribuiria para que nossas mesas ficassem mais fartas.
Nossas remunerações são constituídas, acima de tudo, como reflexos de nossas decisões. Escolher uma carreira que não remunera bem, assim como se manter nela por muito tempo, são os principais erros que comprometem o aumento do nosso contracheque.
O que nos faz ganhar mais?
O principal fator que define a remuneração de um funcionário é a famosa lei da oferta e da procura. Também podemos dizer, em outras palavras, que uma pessoa ganha conforme a raridade de seu trabalho, sobretudo considerando o poder de mudar as coisas (trazer resultados), de maneira individual, para a empresa.
Repare na palavra “individual”, na frase acima. A força de trabalho do chão de fábrica, coletivamente, traz bons resultados para a empresa. Mas cada trabalhador, isoladamente, tem o poder muito limitado de produzir efeitos “diferentes”, pela própria divisão em postos de trabalhos com escopos restritos.
Comparemos esta situação com a de um jogador famoso de futebol. Aquele cara que pode mudar o resultado do jogo em um único lance, capaz de fazer coisas com a bola que quase ninguém consegue.
Se usássemos apenas o senso de justiça, poderíamos dizer que o trabalho do jogador não é tão relevante assim para as pessoas. Eles costumam trabalhar muito menos que nós e têm regalias que nunca teremos. Convenhamos também: o mundo não iria acabar caso o jogador, o time ou o esporte como um todo não existisse.
Mas este pensamento ignora a indústria bilionária que está envolvida para disponibilizar a partida na sua TV. Neste mercado, o dinheiro não falta.
O jogador diferenciado recebe mais porque alimenta o ciclo virtuoso do dinheiro no esporte. Melhores jogadores trazem mais vitórias, mais torcedores nos estádios e na TV. Isto atrai mais patrocinadores, que permitem mais dinheiro para contratar os melhores jogadores…
Mas o que faz o trabalho de uma pessoa ser raro (escasso)? Basicamente, mercado e especialização.
Mercado
Situações mercadológicas, relacionadas à conjuntura econômica, podem fazer a demanda por um determinado tipo de funcionário ser maior que a oferta destes profissionais no mercado.
Nestes cenários, os trabalhadores podem escolher a qual empresa irão dedicar os seus esforços, considerando os empregos que ofereçam maiores remunerações.
Como exemplo recente, temos o momento em que a economia brasileira ia bem das pernas – nessa época tínhamos uma forte demanda na construção civil.
Naquela situação, fomentada sobretudo com crédito do governo amplamente disponível e subsidiado às famílias, trabalhadores como os engenheiros civis e pedreiros estavam valorizados.
Por este motivo são vitais os indicadores que revelam a saúde da economia. Quando ela vai bem, todos progridem: a bonificação adicional que o pedreiro recebeu servirá para que ele consuma mais produtos e serviços, “girando a roda da economia”, como dizem por aí.
Na contramão de tudo isto, como tem acontecido nos últimos anos no Brasil, quase ninguém tem dinheiro para construir. Mais grave ainda: não tem sobrado dinheiro nem para pagar as contas do mês.
Alheio à crise, porém, está o custo de vida que o pedreiro tem que sustentar. Com quase ninguém contratando, ele acaba aceitando pegar a obra da esquina por um preço 50% menor que aceitava em 2011/2012.
O cruel é que, ao contrário do valor do salário do pedreiro, os preços dos produtos que ele consome não pararam de subir deste então, o que fatalmente reduziu o poder de compra do trabalhador.
Especialização
Embora tenhamos experimentado alguns avanços, o Brasil ainda convive com índices muito baixos de pessoas com formação superior. Na verdade, a escolaridade média da população com mais de 25 anos é de pouco mais de 7 anos de estudo, uma das piores marcas de toda a América do Sul.
Os profissionais que detém sólida formação acadêmica e experiência profissional formam parte de um grupo tão seleto que acabam sendo valorizados no mercado de trabalho.
Este é um cenário alarmante, sobretudo se analisarmos as universidades públicas, cujos alunos praticamente se restringem basicamente àqueles de boa renda. Para chegar numa USP, por exemplo, é necessário (além do esforço pessoal) ter passado por escolas boas e geralmente particulares, cursinhos caros e etc.
E quem banca estes custos geralmente são os pais, que por também terem tido acesso à educação, têm condições financeiras de arcar com todos estes custos.
Evidente que essa não é a realidade de todos os alunos, nem mesmo esta é uma crítica aos alunos que tem condições de estudar. A crítica vai ao círculo vicioso que a falta de educação imprime no futuro financeiro de diversas gerações.
Infelizmente, sou pouco otimista em relação à mudança deste problema. Colher os resultados dos investimentos em educação é trabalho de longo prazo. E, se não dá para “inaugurar” em 4 anos de governo, muito poucos políticos se importariam em deixar um legado para outro (muitas vezes da oposição) usufruir.
Exceções estúpidas
Nem tudo é perfeito ou racional. Há alguns casos que fogem às regras que vimos anteriormente.
Algo inexplicável e que foge ao princípio da oferta e da procura é a situação dos professores no Brasil. Segundo pesquisa da OCDE, nossos professores recebem um dos salários mais baixos do mundo.
Até mesmo em países da América Latina, como Chile e México, os professores recebem remunerações consideravelmente maiores que em nosso país. Na pesquisa, o Brasil ficou na frente somente da Indonésia!
Bons professores são artigos raros. Além da formação profissional, ser um bom professor demanda talento e aperfeiçoamento para ensinar bem.
Através da difusão do conhecimento, os professores são os verdadeiros agentes de transformação de nossa sociedade. Os mestres deveriam ser, portanto, reconhecidos, avaliados e estimulados a melhorar sempre.
Mas, como se sabe, há o nivelamento por baixo – se todos recebem um valor de salário medíocre, qual o incentivo que as pessoas têm para se superarem? Os professores que se destacam, mesmo diante de tantas adversidades, podem ser considerados verdadeiros heróis.
Situação análoga ocorre com os bombeiros, policiais e tantos outros profissionais indispensáveis para a construção de uma sociedade melhor, mas que quase nunca ganham o que deveriam.
Finalmente (e vergonhosamente), temos a questão dos políticos no Brasil. Numa sociedade mais justa, estes cargos seriam ocupados com as pessoas mais desprendidas de interesses pessoais e preparadas para exercer a função.
Políticos são servidores públicos. Sendo mais explícito, são eleitos para nos servir. A inversão de valores ocorre quando o mandato é exercido para gestão do interesse do político – vide o projeto de anistia ao “caixa 2”, totalmente dissonante dos interesses da sociedade.
Gerenciar recursos públicos deveria ser função de quem está preparado e disposto a ser criminalmente responsabilizado por sua má gestão.
Também deveria haver métodos de avaliar a produtividade e eficiência do trabalho dos políticos, visando manter no poder somente aqueles que merecerem.
Os políticos deveriam receber remunerações mínimas, visando a economia dos recursos públicos para o bem da coletividade, como mais escolas, leitos de hospitais e por aí vai.
Você ganha mal? A responsabilidade é sua.
Difícil de dizer isso, mas é necessário: o chefe não é o culpado por você ganhar mal. E o primeiro passo para sair dos baixos salários é reconhecer isso como verdade.
Façamos um exercício: quanto você receberia em outra empresa, para fazer a mesma coisa que você faz no seu trabalho atual?
Se você acha que ganharia mais, então permanecer no emprego atual não é a melhor opção. Você pode receber menos que outras empresas do setor pagariam para os trabalhadores da mesma função. Mas, neste caso, permanecer no emprego atual trata-se de um custo de oportunidade assumido por você.
Não adianta dar o melhor resultado para a empresa ou mesmo fazer o melhor MBA do país na área, se você se submete a permanecer na mesma empresa e com o mesmo valor de salário.
As remunerações nas empresas nem sempre são justas ou meritocráticas. Cabe ao empregado exercer a sua valorização, optando por empresas que promovam e valorizem resultados extraordinários.
Se você acha que ganharia a mesma coisa, então você não recebe mal. Em vez disso, será que não é o seu cargo que é mal remunerado? Existem diversos empregos que exigem imensos esforços para a sua realização, mas que o mercado não valoriza tanto assim.
Vários destes empregos, inclusive, tendem a ser extintos dentro de poucas décadas, como atendentes, caixas de banco, motoristas e vários outros.
Repensemos a situação pela lógica de mercado. Suponhamos que o valor mercadológico de sua função seja baixo. É altamente improvável que alguma empresa resolva pagar o dobro deste valor para você, porque ela deixará de ser competitiva.
De qualquer maneira, se você não está satisfeito com a sua remuneração, a responsabilidade de mudar esta realidade é unicamente sua.
Conclusão
As pessoas e as empresas ganham dinheiro RESOLVENDO PROBLEMAS das outras pessoas e empresas.
O mercado paga, e paga muito, para profissionais RAROS. Aqueles que são excelentes para resolver os problemas ou necessidades dos clientes ou da própria empresa.
Lembre-se de qualquer pessoa que ganha bem, como um artista ou jogador de futebol. São mercados onde rola muito dinheiro, em que aqueles que se destacam muito, ganham muito mais que os outros.
Faça uma análise imparcial: o seu cargo/função é facilmente substituível por outra pessoa? Você se prendeu à uma empresa ruim? Você não é excelente no que faz? O salário em outras empresas é tão baixo quanto o que você recebe atualmente?
Respostas positivas sugerem uma tendência a receber remunerações menores. A saída é buscar novas experiências, assumir mais riscos, procurar aperfeiçoamento profissional (em uma área rentável, mercadologicamente falando).
Este é o objetivo deste artigo: sair da zona de conforto, pois é justamente nela que residem os menores salários. Assim como economizar e investir, entender a lógica de se ganhar mais dinheiro é um dos pilares da Educação Financeira que você não pode deixar de apreciar.
Fonte: https://dinheirama.com/voce-acha-que-ganha-mal/