“NECESSIDADE CIVILIZATÓRIA”: AS CARTAS DO ESCRITOR JOSÉ DE ALENCAR CONTRA A ABOLIÇÃO NO BRASIL
O brasileiro, membro do Partido Conservador, defendia o sistema escravocrata em meio à discussões políticas sobre o futuro da instituição no país
Em 48 anos de vida, José de Alencar intercalou a produção literária e a atuação política. Foi deputado e ministro da Justiça — mas não durou no cargo, em parte por causa do gosto pelas polêmicas. Membro do Partido Conservador, compactuava com os princípios atribuídos ao grupo em questão, sendo um conservador “de carteirinha”.
Com esse posicionamento, o escritor ficou descontente quando D. Pedro II propôs que o Brasil seguisse o mesmo rumo de outras regiões, como Inglaterra, Estados Unidos e nas colônias francesas: abolir a escravidão. Assim como seu partido político, pôs-se em defesa da instituição, escrevendo até mesmo cartas para o imperador sobre o assunto.
Dada a importância social, política e econômica. Social, pois poderia inserir a pessoa escravizada na sociedade
brasileira. Política, porque garantia a existência do próprio Estado nacional. E ainda econômica devido à
produtividade possível por meio da escravidão. Ela seria, assim, uma “necessidade civilizatória”, que
possibilitaria o crescimento do país.
Como conservador, acreditava que isso não deveria acabar por meio de uma lei que estabelecesse o fim da escravidão, mas sim em um processo “natural” que levaria séculos. "Ainda mesmo extintas e derrogadas, as instituições dos povos são coisa santa, digna de toda veneração", alegou.
Outro pensamento ainda muito presente nas cartas do escritor era a “importância” da miscigenação que poderia ser promovida a partir desse contexto histórico. A “cultura origina” gerada por essa interação entre brancos e negros seria relevante à formação do Brasil como nação.
A pesquisadora Dayana Façanha, em seu livro Política e escravidão em José de Alencar, examinou a atuação política do cearense. Entre os anos de 1870 e 1871, a pauta da permanência ou não da escravidão permeava ainda mais as discussões políticas do país.
De acordo com a autora, as propostas de Alencar para a emancipação das pessoas escravizadas na época era puro paternalismo. Senhores e escravos deveriam “debater” entre si para tentar gerir e — ainda que em um pensamento distante — acabar com a escravidão.
“Encontrei uma crença generalizada em que as relações escravistas no Brasil iam bem, que tendiam a ser humanizadas. Encontra-se nesse pensamento uma noção de processo dentro do qual o cativo passa por tutela e aprendizagem, resultando, a depender de bom comportamento, no acesso a direitos como pecúlio, roças próprias, manutenção de elementos de matriz africana e, lá na frente, inserção social. É um pensamento senhorial intransigente, limitado na capacidade de imaginar o ponto de vista cativo”, explica
Façanha sobre suas descobertas durante a pesquisa ao Jornal da Unicamp.
O Brasil nunca se preocupou em abolir ou sequer reduzir o trabalho escravo por cerca de 300 anos. No entanto, em 1850, uma lei proibiu a entrada e escravos vindos da África para o Brasil. O tráfico negreiro não acabou de verdade, mas foi um pouco dificultado. Em 1871, uma lei determinou que todas as pessoas nascidas de filhos de escravos eram livres. As bases da escravidão continuaram. Mas para uma certa camada da sociedade, nem essas pequenas mudanças deveriam ter sido feitas.
O Brasil nunca promoveu grandes transformações sociais. Mas uma parcela da sociedade se destaca por ser contra até mesmo as pequenas concessões que a classe dominante faz. Dentro desta parcela estava o Senador José de Alencar, que também foi um famoso escritor.
Seu pensamento político pode ser resumido em uma série de cartas escritas entre 1867 e 1868, que foram compiladas nos dias atuais na forma do livro “Cartas a favor da escravidão”. José de Alencar seria ídolo daqueles que hoje lutam contra o “politicamente correto”.
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Ele demonstra muita preocupação com a manutenção dos costumes, pois qualquer mudança poderia corromper o país. Ele já usava o discurso contra a corrupção para atacar qualquer ideia minimamente progressista. Já naquela época, as ideias de transformação social eram vistas como uma conspiração vinda do exterior, (...)
abolir a escravidão, mesmo que gradualmente, não era uma ideia marginal naquela época. José de Alencar não era apenas um homem dentro da média de seu tempo. Ele era proativo em ser contra inclusive os pequenos avanços que já haviam sido aprovados no parlamento.
Além disso, sua defesa da escravidão vai além de mero racismo. Ele chega a afirmar que “se a escravidão não fosse inventada, a marcha da humanidade seria impossível”. Bem no estilo dos que dizem que, se não fosse a precarização do trabalho, o Brasil não seria capaz de gerar empregos.
José de Alencar também já usava no século XIX o discurso de que os europeus também foram escravos, e por isto a escravidão era normal. Ele só não usou a palavra “vitimismo” porque ela não estava na moda.
O escritor afirma que a escravidão pode ser cruel, mas é inevitável. “Como todas as instituições sociais que têm radicação profunda na história do mundo e se prendem à natureza humana, a escravidão não se extingue por ato de poder”, diz.
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De acordo com José de Alencar, a escravidão ainda deveria por séculos e seria lentamente, mas bem lentamente, muito lentamente mesmo, extinta. Se suas ideias prevalecessem, a senzala existiria até hoje.
Fonte: https://esquerdaonline.com.br/2020/12/10/jose-de-alencar-ja-era-bolsonarista-em-1867/
"Hoje somos escravizados por uma carga tributária que corrói mais de 50% de nosso poder de compra."~DB