Você acha que você é rico? Ou você acha que é pobre? Tudo é relativo. Hugo, um menino brilhante que acabou de se formar em economia numa universidade pública, mas passou um tempo numa faculdade particular com bolsa do FIES, diz que eu sou rica. E que ele é pobre. É só um exemplo. Não vou decidir aqui nossos rótulos individuais.
Fonte: https://revistasera.info/2019/05/sera-que-voce-nao-e-mais-rico-que-imagina-helga-hoffmann/
Muitos leitores assim reagiram quando, em artigos recentes deste Mercado Popular, citei classificações utilizadas pela Presidência da República para as faixas de renda no Brasil. O susto se deu quando muitos notaram que, ao contrários do que imaginavam, eles mesmos não faziam parte da classe média brasileira. Alguns acusaram o governo como culpado pela manipulação maldosa dos dados, mas deste crime nossos políticos infelizmente não podem ser acusados.
Afinal, segundo os critérios oficiais, estão na classe média todas as famílias com renda superior a 292 reais por integrante e fazem parte da classe alta aquelas que acumulam mais de 1019 reais por mês, por pessoa. Como a maioria das famílias no Brasil agrega três ou quatro pessoas, boa parte dos domicílios da classe média brasileira tem renda total entre 900 e 4000 reais por mês, somando os vencimentos de todos os seus integrantes que trabalham.
Basta comparar esses números com o preço de uma conexão à internet no Brasil (ou com o número de brasileiros que tem acesso a internet) para concluir que o susto dos leitores tinha alguma razão: quase todos eles integravam ao menos a Classe Média Alta. E a maioria provavelmente está entre os mais ricos. O gráfico abaixo pode esclarecer melhor a confusão – e mostrar que, infelizmente, o Brasil é mais pobre do que se imagina.
Quem está no meio da distribuição de renda brasileira – ou seja, quem é mais pobre do que metade dos brasileiros e mais rico do que a outra metade – estaria exatamente no que o governo chama de “Média Classe Média”, com renda aproximadamente igual a 600 reais. Já uma renda de 1900 reais seria suficiente para garantir um lugar entre os 10% mais ricos do país.
Então quem é a classe média?
Como eu já disse, uma típica família de classe média brasileira tem renda entre R$ 300 e R$ 1000, o que garante uma posição entre os 30-75% da distribuição de renda no Brasil – ou seja, estatisticamente, a classe média é mais rica do que 30% dos brasileiros e mais pobre do que 25%.
Dos quase 100 milhões nessa ampla faixa de renda, 20% estudaram até o fim do Ensino Fundamental, 23% completou no máximo o Ensino Médio e somente 4% tem um diploma universitário, o que mostra que a educação superior ainda é artigo de luxo na sociedade brasileira. E não só a educação, mas também a inclusão digital ainda parece ser uma realidade distante para grande parte dessa população, uma vez que mais de 47% destes afirmava não ter usado a internet nos últimos três meses.
Na semana de referência da pesquisa, 47% da classe média estava empregada, em uma carga horária habitual média de pouco mais de 8 horas. (Você talvez ache o percentual baixo e isso é natural: a conta inclui crianças e idosos). Seus modos de ocupação eram os mais diversos, sendo o emprego com carteira assinada o mais comum, abrangendo quase 45% de todo o grupo.
O mais surpreendente no perfil de emprego na classe média provavelmente é o número de empreendedores – ou seja, gente que trabalha por conta própria e não tem patrão. O empreendedorismo é a segunda ocupação mais comum da classe média, como mostra o gráfico abaixo. Há mais brasileiros de classe média empreendendo do que trabalhando para alguém no setor informal, onde historicamente predominam más condições de trabalho. Esse dado leva a uma conclusão interessantíssima para as políticas públicas brasileiras: políticas salariais ou trabalhistas não beneficiam uma parcela expressiva da empobrecida classe média brasileira; para que esta classe média ascenda socialmente, seria mais eficaz criar um ambiente de negócios menos burocrático e mais amigável ao empreendedorismo.
Como isso é possível?
Profissionais liberais e servidores públicos comumente identificam-se eles mesmos como classe média, o que simplesmente não é verdadeiro quando olhamos para os dados distribuição de renda no Brasil. Apesar do que dizem, suas ocupações geralmente lhes garantem um espaço entre os 10% mais ricos do país. No entanto, o engano é inteiramente compreensível – o padrão de consumo destes assemelha-se ao das classes médias em países europeus e americanos, como fica claro a quem assiste em filmes e séries das duas regiões (aos quais, em geral, somente os brasileiros mais ricos têm acesso).
Como os padrões brasileiros de renda, emprego e educação estão muito distantes desses países, é natural que nossa classe média também esteja. A pobreza da nossa classe média não é resultado da concentração de renda entre uns poucos milionários. O Brasil é desigual, mas a principalmente origem do empobrecimento de nossa classe média não está na distribuição de renda. Nosso problema, infelizmente, é mais simples e grave: o Brasil é um país pobre.
Muitos tentam negar isso, apontando por exemplo o fato de a economia brasileira figurar entre as dez maiores economias do mundo. Trata-se de uma meia verdade, que convenientemente esquece que o Brasil tem também uma das maiores populações do mundo. Se dividíssemos toda a renda produzida dentro do país em um determinado ano por todos os brasileiros, cada um ganharia cerca de R$ 2.270 por mês. E esse experimento mental é bastante rudimentar; na realidade, o valor provavelmente seria menor, já que a renda nacional somada não seria a mesma se o governo decidisse dividir tudo igualmente.
A única saída para garantir melhores condições de vida para famílias pobres e de classe média é o crescimento econômico. Isso não significa, de forma alguma, que a desigualdade brasileira seja baixa. Pelo contrário: temos uma das maiores desigualdades do mundo, como mostra o gráfico abaixo.
Em linha com esse pensamento, Ricardo Paes de Barros – economista que auxiliou a formular o Programa Bolsa Família e outras políticas sociais bem sucedidas -, afirmou em abril desse ano: ‘crescer é a melhor política social no Brasil’.
Sem crescimento, nem mesmo a distribuição de renda mais igualitária do mundo permitiria que nossa classe média tivesse os padrões de vida de seus pares nos Estados Unidos e Europa.
Fonte: https://mercadopopular.org/economia-em-5-minutos/classe-media/ (Dados de 2015)
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A Receita Federal estimou este ano que pouco mais de 30 milhões de pessoas deveriam apresentar sua declaração de imposto de renda. Ou seja, calcula-se que só uns 20% das pessoas adultas precisam por lei fazer declaração de imposto de renda. Isso significa que qualquer um que estava em abril fazendo sua declaração de IR (como eu) já estava entre os dois décimos mais ricos entre pessoas com idade superior a 21 anos. A declaração em 2019 foi obrigatória para quem tivesse no ano anterior rendimento anual tributável a partir de R$28.559,70 (uns R$2.830,00 por mês), rendimento não tributável superior a R$40.000,00, tivesse vendido imóvel, tivesse bens de valor superior a R$300.000,00 atividade rural com renda bruta superior a R$142.798,50, ganho de capital, ou que tivesse feito operações em Bolsa.
Nada fora do que tem sido o comum dos últimos anos. Mas o que me chamou a atenção dessa vez, mesmo sem ser novidade, foi o fato de que apenas 20% declarem imposto de renda e, sobretudo, que qualquer um que tenha rendimento mensal maior que R$2.830 em 2018 esteja entre os 20% mais ricos da população adulta, ou 15% da população total. Se isso é o 15% mais rico, o que será a classe média no Brasil? Essa tal “classe média espremida” que anda no centro das discussões sobre a ascensão de partidos populistas de direita em vários países.
Não vou agora definir ou analisar classe média no Brasil, algo que possivelmente exija mais que o exame da distribuição da renda.[1] O que fica evidente do estudo da distribuição da renda é que não serviria no caso o critério da autoidentificação. Curiosamente, no Brasil – e o fenômeno é antigo – vemos pessoas e famílias que se classificam de “classe média” e estão muito longe da “média” das estatísticas, na verdade podem até fazer parte do 1% ou 2% mais rico do Brasil, mas não conseguem, subjetivamente, absorver isso como fato. Provavelmente se surpreenderiam ao ver, na Tabela com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) que a média do rendimento do trabalho por pessoa ocupada em 2017 foi não mais que R$ 2.184 e que a média do rendimento domiciliar per capita foi apenas R$ 1.274.
Uma ideia razoável seria considerar como classe média os 50% que estão no meio da distribuição de renda, isto é, excluir os 25% mais pobres e os 25% mais ricos. Isso nos daria, como se verifica na Tabela abaixo, uma faixa de rendimento domiciliar per capita de R$ 387 a R$ 1.356. O primeiro quartil é a separatriz entre os 25% relativamente mais pobres da distribuição e os 75% restantes: 25% da população brasileira tem renda domiciliar per capita inferior a R$387 e 75% tem renda domiciliar per capita superior a R$387. O terceiro quartil é a separatriz entre os 25% mais ricos da distribuição e os 75% restantes: apenas 25% da população tem renda domiciliar per capita superior a R$ 1.356, e 75% da população tem abaixo disso.
Quem nunca antes olhou dados de distribuição da renda no Brasil talvez se surpreenda ao verificar o quanto são baixos os níveis de renda para a maioria da população. Quando queremos analisar o nível de vida da população a variável que reflete isso melhor é a “renda domiciliar per capita” (analisada na segunda coluna da tabela). Para chegar à renda familiar per capita são consideradas todas as pessoas no domicílio (excluídos os que ali residem como pensionistas, empregados domésticos e parentes destes) e divide-se a soma dos rendimentos dessas pessoas pelo número delas. Assim, se numa família constituída por um casal com dois filhos só o pai tem rendimento, este teria que ser de R$5.424 para obtermos a renda familiar per capita de R$ 1.356.
DISTRIBUIÇÃO DA RENDA NO BRASIL 2017
Distribuição do rendimento do trabalho (total dos rendimentos das atividades exercidas pela pessoa e efetivamente recebido em mês anterior à entrevista) por pessoa ocupada e distribuição do rendimento domiciliar per capita (RDPC), conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD contínua anual) de 2017
Estatística | Rendimento do trabalho por pessoa ocupada | Rendimento
domiciliar per capita |
|
Nº de pessoas (1000) | 89.120 | 207.004 | |
Índice de Gini | 0,524 | 0,549 | |
T de Theil | 0,587 | 0,615 | |
Razão médias 10+/40? | 14,2 | 17,5 | |
Porcentagem da renda apropriada pelos | |||
40% mais pobres | 11,9 | 9,9 | |
50% mais pobres | 17,3 | 15,2 | |
20% mais ricos | 57,6 | 59,1 | |
10% mais ricos | 42,4 | 43,3 | |
5% mais ricos | 30,5 | 30,8 | |
1% mais ricos | 12,5 | 12,2 | |
Valores observados(1) | |||
Média | 2.183,6 | 1274,0 | |
1º Quartil | 937,0 | 387,2 | |
Mediana | 1.300,0 | 757,0 | |
3º Quartil | 2.208,6 | 1.356,0 | |
90º percentil | 4.113,3 | 2.551,2 | |
95º percentil | 6.826,7 | 4.015,7 | |
99º percentil | 15.178,7 | 9.568,0 | |
Limite ricos/pobres(2) | 2.400,0 | 1.485,8 |
- Valores monetários em reais de setembro-outubro-novembro de 2017, quando o salário mínimo era R$ 937,00. Lembrar que ocorre subdeclaração da ordem de 30% a 40%.
- Um pequeno acréscimo na renda de uma pessoa causa redução do índice de Gini se sua renda estiver abaixo desse limite, mas causa aumento do índice de Gini se sua renda estiver acima desse limite.
NOTA: Tabela gentilmente cedida por Rodolfo Hoffmann. Ela contém apenas parte do que é analisado no trabalho acessado no site do Instituto de Estudos de Política Econômica.
É lógico que todos os valores observados na primeira coluna da tabela sejam maiores que os da segunda coluna. E é lógico, também, que os valores das estatísticas de desigualdade sejam menores: a distribuição dos rendimentos do trabalho por pessoa ocupada é menos desigual que a distribuição do rendimento domiciliar per capita. No caso do rendimento do trabalho, os 20% mais ricos se apropriam de 57,6% dos rendimentos. Já no caso do rendimento domiciliar per capita, os 20% mais ricos se apropriam de 59,1% do total dos rendimentos. Vale notar, na 4ª linha da Tabela, que a média da renda domiciliar per capita dos 10% mais ricos é 17,5 vezes a média dos 40% mais pobres.
A análise dos dados da distribuição da renda em 2017 continua mostrando um país em que há muitos pobres e poucos ricos. Basta olhar a Tabela. O 95º percentil é o valor que separa os que têm rendimento do trabalho acima de R$ 6.826,70 dos demais, isto é, quem ganha acima desse valor está entre os 5% mais ricos dentre as pessoas ocupadas, que se apropriam de 30,5% do total do rendimento de todos os trabalhos.
Vá alguém convencer uma pessoa que ganha R$ 6.830 mensais que ela está entre os 5% de rendimento mais alto. Ou que alguém que obtém R$ 15.179 mensais está entre o 1% que tem os rendimentos do trabalho mais altos. Mesmo quando não se podem rejeitar as evidências. Todos os dados usados aqui são apresentados e analisados em um estudo acadêmico recente de Rodolfo Hoffmann, Distribuição da renda, Brasil 2017: Apresentação didática das principais características da distribuição da renda no Brasil de acordo com dados da PNAD Contínua de 2017. Esse trabalho é bem mais amplo, distingue entre rendimento habitual e rendimento efetivo no período de referência, examina outras variáveis como a população econômica ativa, o impacto do desemprego, as desigualdades regionais e entre estados (inclusive DF), e níveis de pobreza.[2]Ainda que não tenha diretamente enfrentado essa questão de uma recusa subjetiva na sociedade brasileira em reconhecer a enormidade das desigualdades , é possível captar do trabalho algumas sugestões.
A primeira é o argumento da subdeclaração. Tem sido apontado, há muito tempo, que há uma subdeclaração de rendimentos na PNAD, o que implicaria que os percentis na Tabela estão subestimados. O autor calculou que essa subdeclaração é de 30% a 40% e observa: “Mas mesmo fazendo correções generosas para os valores do 9º decil e do 95º percentil podemos afirmar que em 2017 apenas 10% da população ocupada recebia habitualmente mais de R$ 6.700 mensalmente, apropriando-se de 41,3% de toda a renda”. (op. cit. p.10) Nota ainda “que quando nos referimos aos 5% mais ricos da população ocupada no Brasil, trata-se de mais de 4,4 milhões de pessoas e não de algumas dezenas de pessoas riquíssimas que recebem a atenção da mídia”. (op. cit., p.10) Mas a principal explicação talvez esteja em que as diferenças de renda no 1% mais rico também são enormes. No jargão dos especialistas nesses trabalhos, a distribuição da renda apresenta fortíssima assimetria à direita. O 1% mais rico das pessoas ocupadas começa com uma pessoa que obteve R$15.178,70, o que é 7,1 vezes a renda média, como se pode observar na Tabela. Acontece que o rendimento de pessoa ocupada mais alto declarado à PNAD foi de 132 vezes a renda média (op. cit., p.7), ou superior a R$300.000 mensais. E assim, com tais diferenças, sobretudo no Brasil, em que a ostentação ainda é descarada e sem pudor, alguém que está, indiscutivelmente, entre o 1% ou 2% mais rico da população se entende como “classe média”. Ou até como “pobre”.
[1]Apenas registro que a OCDE, em seu recente estudo Under pressure: the squeezed middle class, considera como classe média no Brasil pessoas com salário anual entre 4.960 e 13.200 dólares. Ou seja, o limite superior não chegava a R$3.900 mensais em 2018.
[2]O estudo, de 27 páginas, pode ser acessado no site do Instituo de Estudos de Política Econômica, www.iepecdg.com, em Textos, e é o Texto para Discussão 46, Rodolfo Hoffmann, Distribuição da Renda, Brasil, 2017 (maio de 2019). Quem não entender o conceito de separatriz, o que é quartil, decil e percentil, terá que ir ao estudo original.
Fonte: https://revistasera.info/2019/05/sera-que-voce-nao-e-mais-rico-que-imagina-helga-hoffmann/
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Isso acontece porque algumas pessoas levam em consideração apenas a sua própria realidade, ignorando ou desconhecendo o que a maioria da população do país vive.
Muitos não percebem que se boa parte de seu círculo social tem a mesma condição financeira, é porque esse grupo faz parte dos 5% mais ricos que possuem uma renda acima de R$ 2,4 mil.
Lembrando que a classe média é definida pelo que a maior parte do país tem de grana. Se essa média é baixa, o valor que define quem é classe média alta também cai.
Ou seja, se as famílias em geral têm como renda um valor entre R$441 e R$1.019 por pessoa, quem ganha acima disso está nas classes mais altas. E quem está abaixo, nas classes mais baixas.
Se você ainda está em dúvida, faça o teste com essa calculadora do Nexo, descubra se está entre os mais pobres ou mais ricos e conta pra gente nos comentários.
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